Crítica à razão acadêmica Volume 1 – 3ª edição

R$68,00

3 em estoque

Categorias: , SKU: 978-85-524-0013-4

Descrição

Reflexão sobre a universidade contemporânea

Organizadores: Waldir José Rampinelli e Nildo Ouriques

ISBN: 978-85-524-0013-4
Páginas: 232
Peso: 300g
Ano: 2017

Capa: Tadeu M. Martins

O objetivo principal desse livro é o de debater a função social da universidade pública contemporânea, analisando as forças que atuam sobre ela, inclusive as ocultas. Reúne autores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), da Universidade de São Paulo e da Ohio University State (EUA). Em particular, analisa as relações da UFSC com a sociedade local, regional e sua atuação no cenário nacional.

 

Um livro acena para o necessário despertar do campus

Por Raquel Moysés – jornalista

Já está nas mãos dos leitores o livro “Crítica à razão acadêmica – Reflexão sobre a Universidade Contemporânea” (Editora Insular, 223 páginas), apresentado à sociedade na Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina. Noite de primavera carrancuda, chovia forte na hora do lançamento, mas o saguão da BU foi tomado por um público ávido de saber.

Nildo Ouriques e Waldir Rampinelli, organizadores da obra criticaram, em suas falas, a razão acadêmica que se apossou do ambiente universitário. Tal razão, avaliam os dois professores, tem levado a uma predominante indiferença relativamente aos problemas da maioria do povo brasileiro. O mundo acadêmico, eles dizem, “parece viver em Paris ou Los Angeles. Sem os conhecidos distúrbios, que também lá se manifestam!”.

Rampinelli, professor de História, enfatizou que a ideia deste livro nasceu do compromisso dos que o escreveram com a universidade pública. O aniversário de 50 anos de existência da universidade catarinense, festejados oficialmente em 2010, foi um dos acontecimentos que exigiu dos autores uma reflexão crítica, focalizada especialmente na história da instituição, mas carregada de matizes de acontecimentos que marcaram a vida da cidade, do estado, da nação e do mundo. A obra analisa e desvenda “forças claras e ocultas que atuam na universidade contemporânea, algumas delas na UFSC, ao longo de seus 50 anos, como a oligarquia, a maçonaria e o mercado”.

A apresentação da obra revestiu-se de caráter político, não partidário, como esclareceu Rampinelli. O lançamento aconteceu a menos de um mês das eleições para reitor e vice-reitor da UFSC, marcadas, em primeiro turno, para 17 de novembro e, em segundo turno, se for o caso, para o dia 30 do mesmo mês. Os candidatos das cinco chapas inscritas foram convidados, pelos autores do livro, para o lançamento, e três deles compareceram.

Entre a opressão e a submissão
A UFSC, como insiste a maioria dos autores, ao completar meio século de existência necessita olhar para si mesma, examinar-se minuciosamente, para ver no que acertou e errou e então decidir para onde deve caminhar. Rampinelli, que em seu artigo destaca aspectos que caracterizam, na universidade, “as opressões internas e a submissão externa”, falou na noite de autógrafos principalmente sobre a função de um reitor. Que não deve se limitar a mera autoridade figurativa e representante de um poder central.

Um reitor, disse Rampinelli, precisa ser um grande conhecedor da realidade universitária, além de também conhecer e se manifestar, cotidianamente, sobre os grandes problemas locais, estaduais e nacionais. O reitor da UFSC, ele exemplifica, deve se preocupar e se pronunciar, com conhecimento de causa, sobre questões como a destruição do meio ambiente na região carbonífera do sul catarinense; as enchentes que destroçam cidades e desesperam comunidades inteiras; como também se debruçar sobre o que afeta a vida das cidades. A começar pela capital – onde se ergue o campus principal da UFSC – uma cidade estrangulada por problemas dramáticos como o da ‘imobilidade’ urbana, apenas um dos efeitos danosos da histórica opção pelo transporte individual.

Nildo Ouriques criticou a razão acadêmica que impera no ambiente universitário e se expressa em uma mentalidade e um comportamento acadêmicos que, para ele, se traduzem em mediocridade, autocomplacência, esnobismo de classe e indiferença com relação aos problemas da maioria do povo. Para o professor de Economia, o intelectual público foi derrotado, para a desgraça das universidades, pela aparição da medíocre figura do “acadêmico”, uma mistura de fetiche e impostura.

É essa mentalidade e esse comportamento, fruto do atraso e da subserviência a preceitos externos, que precisam ser demolidos, preconizam os autores em sete artigos e ensaios, além de uma entrevista. A persistir o academicismo, a universidade contemporânea continuará muito distante do que lhe é exigido em uma sociedade profundamente marcada pela desigualdade e pela submissão ao imperialismo. Por isso é que, na obra, os autores não economizam críticas ao mundo no qual estão intrinsecamente inseridos, certos de que não podem fugir à necessária crítica. Todos com atividade intelectual e militante na universidade, eles estão convencidos de que não há a menor possibilidade de legitimação social da universidade se ela não se abrir para um novo tempo, em que cumpra, verdadeiramente, seu papel de efetiva casa do saber.

“A atitude complacente que atualmente domina o campus e que marca a carreira da grande maioria dos professores é nociva para a construção de uma universidade vital para o Brasil e a América Latina”, afirmam os organizadores. “Este livro pretende ser uma contribuição para que as possibilidades abertas pela crise global não se frustrem, possibilitando um despertar no campus universitário, este mesmo despertar cujas vozes vindas das ruas já se podem ouvir.”

Além dos ensaios de Ouriques e Rampinelli, “Crítica à razão acadêmica” apresenta textos de Célio Espíndola, Elaine Tavares, Fábio Lopes da Silva, Marli Auras (todos da UFSC) e Ciro Teixeira Correia (da USP). Um estrangeiro apenas, o estadunidense Frank Donoghue, da Ohio State University, contribui com uma análise crítica sobre as mudanças no mundo universitário dos Estados Unidos. Um mundo “quase sempre objeto de adoração por parte da consciência ingênua que orienta a atividade universitária na periferia capitalista latino-americana e especialmente no Brasil”, assinalam os organizadores. O livro traz, ainda, uma entrevista com Maurício Tragtenberg, intelectual e educador libertário que percebeu precocemente o surgimento de uma séria ameaça à vida universitária, à qual ele se refere como “delinquência acadêmica”.

Os autores extraem, de suas análises, reflexões críticas sobre as debilidades e alguma nobreza da universidade contemporânea. Assim, examinam temas como o das fundações privadas, que minam o espaço público, e o das difíceis relações entre os trabalhadores em educação na universidade (técnicos e docentes). Percorrem, nos textos, caminhos dos movimentos organizados, principalmente na UFSC, e denunciam os vícios dos processos eleitorais para a reitoria ao longo da história da instituição catarinense. Revelam, ainda, um tanto de servidão voluntária nas relações com o poder, bem como a submissão de “acadêmicos” às chamadas “revistas internacionais”, publicações a serviço de políticas científicas e econômicas “bem nacionais” de países europeus e dos Estados Unidos.

Coragem editorial
No lançamento, os organizadores mencionaram o papel relevante que tem assumido na sociedade catarinense a Insular, como editora que mais publica hoje no estado. A Insular tem sido responsável por oferecer aos leitores brasileiros obras importantes como “História da nação latino-americana”, de autoria do intelectual argentino Jorge Abelardo Ramos, um dos livros mais influentes sobre a história do continente.

Dirigida pelo jornalista Nelson Rolim, a Insular publicou recentemente inclusive um livro cuja não publicação pela UFSC foi reputada como censura e até gerou um abaixo-assinado internacional, firmado por intelectuais latino-americanos. Trata-se do livro “O terrorismo de Estado na Colômbia”, escrito por Hernando Calvo Ospina, jornalista colombiano e refugiado político que hoje trabalha no jornal francês Le Monde Diplomatique.

Já publicado em espanhol, francês e alemão, o livro foi encaminhado, em 2009, para a editora universitária, recebendo parecer favorável de dois analistas externos, ambos professores de Relações Internacionais. Acabou rejeitado, porém, por um conselheiro editorial interno, da área de Engenharia Elétrica, cuja posição contrária à publicação da obra acabou sendo acatada pelo Conselho Editorial. A edição brasileira só saiu porque sete sindicatos pagaram as despesas de tradução e a Insular assumiu a publicação da obra.

Rolim manifestou-se no lançamento de “A crítica da razão acadêmica” para dizer que este novo livro vai cair como “urtiga no lombo de muita gente”. Ao falar sobre a longevidade de obras que semeiam ideias, ele citou o escritor amazonense Márcio Souza quando disse, em uma entrevista: É mais fácil você se livrar de um cadáver do que de mil exemplares de um livro!”

Criação Capa: Tadeu Meyer

Comentários sobre o livro Crítica à Razão Acadêmica

 

De fato, desde o título da coletânea, temos uma tese indicada e que traz suas provas. O importante na Crítica da Razão Pura, dizem os comentadores, reside no genitivo. A crítica é da razão pura pela razão pura. Ou seja, o procedimento é de plena autonomia, sendo o sujeito passível de se encontrar consigo mesmo, num movimento livre. A razão deixa de ser criticada pela religião ou pela jurisprudência (o célebre enunciado do Prefácio) e arranca de si mesma a critica de si mesma. A razão, na atual universidade (mas já no tempo de Kant, basta ler “O Conflito das Faculdades”) não é livre: ela é cativa ou alienada. Não seria possível, pois, escrever uma crítica da razão acadêmica. Apenas, como vocês bem definiram, uma crítica à razão acadêmica.

Parabéns pela iniciativa! Desde que recebi a coletânea [Crítica à Razão Acadêmica – reflexão sobre a universidade contemporânea, Editora Insular, Florianópolis, 2011], a leio com vagar. Gostei muito do que segui com os olhos e a mente. Fiquei muito impressionado com a similaridade do processo de puro descarte da educação pública nos Estados Unidos e no Brasil (Frank Donoghue). Entre nós, as universidades que visam o lucro conseguem seu alvo, com pleno apoio oficial. É espantoso notar como “universidades” compram outras, ampliando seus dividendos e levando estudantes pobres ou de classe média ao endividamento, no mesmo passo em que recebem polpudos recursos governamentais. Nada temos, nas agências de “fomento à pesquisa” contra o esbulho. Pelo contrário, temos o pleno apoio ao saque das verbas públicas. E o Conselho Nacional de Educação? Silêncio tenebroso…e cumplicidade também silente.

É preocupante notar o quanto as oligarquias regionais (as responsáveis pelo esquema de dominação) subjugam as estruturas “acadêmicas”. Tudo o que vocês indicam ao longo do Crítica à Razão Acadêmica, eu vi diretamente em minhas andanças pelo Brasil. Um amesquinhamento das eleições universitárias, como se cada reitoria fosse cópia degradada de prefeituras, dominadas com mão de ferro, por prepostos das oligarquias regionais. Certa feita, em uma universidade, fui ministrar, como convidado, um curso de pós-graduação. Não consegui fazê-lo devido ao barulho dos cabos eleitorais, dos comícios, etc. Como o que vocês descrevem para a universidade de Santa Catarina.

Mas o que julgo mais grave mesmo, em todo o processo, não é o instante das eleições, lamentáveis que sejam. O pior é o modo de funcionamento dos Conselhos Universitários. Basta olhar a pauta dos referidos Conselhos. Imensas, com indefinido número de processos que implicam em convênios com a “iniciativa privada, firmas estatais”, etc. Normalmente a pauta é distribuída aos conselheiros com pouco tempo para análise. Na reunião, o reitor pede que os presentes apresentem destaques. São debatidos os destaques e, grande parte, talvez a maioria, dos itens são aprovados sem discussão ou exame prudente. É por tal ralo que passam, quase sempre, os convênios marotos, os tratos espúrios, as fundações esponja ,etc.

Propus que existisse, ao lado do Conselho oficial, um Conselho ampliado que incluísse professores, alunos, funcionários, que debateriam e examinariam a pauta em canal oficial da Universidade. Cada setor relevante da universidade (química, biologia, engenharia, economia, ciências humanas) teria uma equipe de análise dos processos mais complicados de sua área. Depois, as análises todas circulariam pelo canal oficial da universidade, sendo acessíveis a todos os integrantes da comunidade, sobretudo aos conselheiros. Estes não teriam a desculpa muito comum: “aprovei, mas não pude ler todos os projetos”. Como sempre, a proposta foi rechaçada na base…

Bem, gostei do que li no Crítica à Razão Acadêmica – reflexão sobre a universidade contemporânea. Tenho certeza de que o trabalho será útil para os (poucos) pensantes que ainda restam na universidade. Gostei também de vocês terem incluído o texto de Mauricio Tragtenberg, um dos cérebros mais brilhantes e injustiçados dos campi. E por falar em Mauricio, senti falta de uma atualização, no livro, das análises feitas por Max Weber sobre os “donos da universidade”, os “patrões” da pesquisa, tal como desenvolvidas em A Ciência como Vocação. Mas quem sabe, um dia, será possível fazer um seminário sobre Mauricio e Weber, dando particular relevo à burocratização capitalista na universidade!

Prof. Dr. Roberto Romano
Professor de Ética e Filosofia Política
Na Unicamp – São Paulo

 

Resenha

 

Crítica à Razão Acadêmica
 

reflexão sobre a universidade contemporânea

Rampinelli, W. J. e Ouriques, N. (org.)

Editora: Insular, Florianópolis, 2011. 223 p.

por Lighia B. Horodynski Matsushigue*

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp No final de 2011 foi lançada pelos organizadores, os professores Waldir Rampinelli e Nildo Ouriques da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), uma coletânea sob o sugestivo título – Crítica à Razão Acadêmica, cuja leitura recomendo, em particular, aos estudantes, docentes e técnicos que não tiveram a chance de conhecerem uma outra universidade pública brasileira. O livro contém, além de artigos dos próprios organizadores, mais cinco contribuições, bastante diversificadas, além da reprodução de uma entrevista, concedida por Maurício Tragtenberg à Folha de São Paulo,, em 3 de dezembro de 1978. Esta última, ao ser incluída, parece ser tomada pelos organizadores como uma espécie de fecho ao livro, por entenderem que o entrevistado foi capaz de perceber “precocemente o surgimento de uma séria ameaça sobre a vida universitária” , que, em grande parte, está corporificada na “figura do intelectual burocrata, do funcionário intelectual, que mais reproduz do que produz conhecimento próprio”, nas palavras de Tragtenberg .

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp No espaço relativamente generoso das cinco páginas dedicadas à Apresentação, os organizadores introduzem o leitor aos objetivos da coletânea, pois afirmam que :

Este livro pretende ser uma contribuição para que as possibilidades abertas pela crise global não se frustrem e que ajudem a um despertar no campus universitário, este mesmo despertar cujas vozes vindas das ruas já se podem ouvir.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbspApesar da dificuldade em compartilhar o otimismo dos editores quanto às possibilidades abertas pela atual crise global e quanto ao alcance efetivo de uma publicação como a que ora se apresenta ao público, não há dúvida de que a leitura de vários dos textos, assim reunidos, pode contribuir para a análise de alguns dos muitos percalços atualmente postos entre a universidade e sua potencial função social. Por outro lado, permito-me discordar que o livro tenha alcançado o objetivo, também declarado na Apresentação, de “mostrar a função social da universidade pública na sociedade brasileira” . Os textos, à exceção de quatro deles, que, conforme detalharei, tratam de questões mais gerais, partem de situações relacionadas à UFSC, que, se passíveis de extensão às outras universidades em vários aspectos, conforme advogado pelos organizadores, não tocam essa importante discussão com o necessário grau de abrangência.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Da lista das questões mais gerais, destaco, de saída, o artigo bem-humorado A Liberdade Sacrificada, de Fábio Lopes da Silva; quem não se perder no emaranhado da competente escrita deste lingüista espirituoso, sairá convencido de que nem sempre sabemos usufruir da liberdade, mesmo limitada, que, nas atuais condições de exercício da profissão, ainda nos é concedida. No mínimo, o texto é um convite à reflexão.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Outro texto da mesma lista é o do professor Frank Donoghue, da Universidade Estadual de Ohio; num artigo detalhado, de 20 páginas, nos traz informações, tanto históricas quanto atuais, sobre a Educação Superior nos Estados Unidos, cumprindo, assim, com destaque, o papel a ele atribuído pelos organizadores de contribuir para desfazer a adoração nutrida “por parte da consciência ingênua que orienta a atividade universitária na periferia capitalista latino-americana e, especialmente no Brasil” . Assim, em total contraste com nossa situação local, onde há várias décadas, mais da metade do ensino nesse nível é fornecido por instituições que visam o lucro, de forma aberta ou dissimulada, o autor nos informa que “o último e mais novo tipo de instituição americana de ensino pós-médio é a universidade com fins lucrativos. Tendo como pioneira a Universidade de Phoenix, fundada em 1994, […]”. Afirma, ainda, que, mesmo atualmente, esse setor abrange não mais do que 10% das matrículas , embora se encontre em rápida expansão. Por outro lado, nos é recapitulado que várias das universidades particulares não lucrativas são muito antigas, como as de Harvard e Princeton, que datam de inícios do século XVII ou Cornell, e Johns Hopkins, com quase século e meio de existência, mas que não absorvem a maioria dos potenciais candidatos. Contudo, deve ser informação nova para a maioria de nós que o modelo das State Universities – o próprio autor leciona em uma delas – foi instituído também no terceiro quarto do século XIX e como universidade pública. Estas universidades, desde então, são beneficiárias de recursos de uma lei federal específica e sempre admitiram determinados segmentos da população, em particular, mulheres . No pós-segunda guerra e/ou pós-guerra da Coréia, um segmento importante a ser beneficiado foi o dos militares, então desmobilizados. A legislação (Lei dos G.I.) que propiciou essa inclusão foi responsável por uma rápida expansão das matrículas no ensino superior e, já em 1960, essas alcançaram 7,5 milhões nos EUA, número acima das atualmente verificadas em nosso país. Donoghue toma efetivamente essa Lei como responsável pela criação da classe média americana . Hoje, mais de um quarto de todas as 18 milhões de matrículas no ensino superior nos EUA estão nas State Universities e outro tanto, se não mais, nos Community Colleges, ou seja, Faculdades locais de educação geral de apenas dois anos de duração. Não obstante, Donoghue avalia que o ensino superior, nos EUA, “está em constante declínio” , o “sistema de impostos do país é severamente tendencioso em favor dos muito ricos” e que, “se nada mudar […] o país simplesmente não será capaz de financiar educação para todos.” Alguma semelhança com a situação por estas nossas paragens?
&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp O artigo de Nildo Ouriques, professor de Economia, toca em questão de extrema relevância: a atual submissão do sistema de pós-graduação brasileiro aos ditames de uma agência, a Capes, que, arbitrariamente, escolheu o número de artigos, especialmente os publicados em revistas internacionais indexadas, como o melhor parâmetro para a medição da “produção científica”. Argumenta, com toda razão, que não existe tal tipo de revista, elas sempre são produzidas em determinado país, submetidas a, também determinados, interesses. Contudo, se é correto concordar com o autor que o resultado, afinal, é a alienação científica, mal disfarçada por justificativas que se valem da suposta meritocracia, quem trabalha nas áreas como Física – que é o meu caso – dificilmente há de concordar que toda a produção universitária deva ser mensurada pelo número de patentes. As patentes e outros atos de “inovação” são pertinentes a outro espaço, o da tecnologia e da técnica, e estas áreas são, mais corretamente, abrigadas em instituições de intermediação, muito bem representadas pela ação, outrora muito mais arrojada, do IPT, em São Paulo, da Emprapa e de outras mais.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Completa a lista dos textos de caráter geral o artigo de Ciro Correia, geólogo, professor e sindicalista que, entre outros vem se debruçando sobre o desvirtuamento introduzido pelas fundações, ditas de apoio, no seio das universidades brasileiras. Tais fundações são, nas palavras do autor, uma “causa privada a serviço da constituição de patrimônios também privados, às expensas da credibilidade das instituições públicas às quais se vinculam e dos recursos públicos que a elas deveriam se destinar.” Profundamente envolvido com a temática, tendo ocupado a presidência da Adusp-S. Sind, de 2001 a 2003 e, posteriormente, a do Sindicato Nacional – ANDES-SN -, de 2008 a 2010, Ciro nos brinda com uma análise detalhada dos interesses que embasam esse modelo de uso privado de verbas, predominantemente públicas, dentro do espaço das universidades, tanto estaduais quanto federais, também públicas. Cita uma série de exemplos onde os desmandos se tornaram amplamente divulgados, como nos casos da USP, da UFSC, UFSM e da UnB. Alerta para as reiteradas iniciativas de dar suporte jurídico ao modelo, cujo passo mais recente é a lei 12.349/10; descreve ações da Justiça, que, contudo, encontraram limitações que as situam aquém do que seria necessário para coibir, de fato, a atuação dessas fundações, ditas de apoio. Seu artigo é um libelo a favor do gerenciamento público, democrático e transparente de nossas universidades.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Por fim, os três longos artigos – todos com da ordem de 30 páginas – que tentam ser a ponte entre o particular, ou seja, acontecimentos na UFSC e o geral, no caso os determinantes sócio-políticos, têm o mérito de levantar algumas questões cuja relevância extrapola o contexto local. Contudo, poderiam, ao procederem a uma confrontação e revisão de conteúdo, muitas vezes repetitivo, ter chegado mais próximo ao objetivo de, por meio da discussão entre os autores, colocar a público um trabalho mais concatenado, conciso e livre de algumas imprecisões. Um exemplo, banal, se encontra no trabalho Movimento Docente na UFSC, ao colocar, por duas vezes, os planos econômicos que assolaram o país na seguinte ordem – Real, Bresser, Collor, FHC – e, uma vez, numa mais próxima a uma seqüência histórica – Cruzado, Collor, Bresser e FHC.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Os professores, Rampinelli (com o texto A democracia na Universidade Brasileira: simulacro ou arremedo?), Célio Espíndola e Marli Auras (Movimento Docente na UFSC – os longos anos oitenta), ao lado da jornalista Elaine Tavares (A Universidade e os Técnicos-administrativos: uma tensão permanente) são todos ligados à Universidade Federal de Santa Catarina e nela se inspiram, mas fazem retrospectivas mais gerais, muito elucidativas para as novas gerações que vêm construindo seus vínculos com as universidades brasileiras. O primeiro desses textos, recapitula que “ o grande movimento pela democratização da universidade se deu no final da década de 1950 e início da de 1960.” Efetivamente, para quem adentrou a vida acadêmica em 1959, como eu, na antiga FFCL/USP, na velha Maria Antônia, todas as Reformas de Base, inclusive a Universitária, estavam na esquina, era só contornar mais uma curva…Contudo, não foi bem isso que aconteceu. Tomando Vieira Pinto como guia, Rampinelli explicita seis funções que colocam a universidade à serviço das classes dominantes, exemplificando-as competentemente por fatos relacionados à UFSC. E, chega à triste conclusão de que, entre outros, “a universidade deseduca sua comunidade na escolha de seus dirigentes” .

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Expressando vividamente sua reprovação pelo status quo na universidade, quando parte de seus servidores se submete à “servidão voluntária”, até em troca de pequenos privilégios, e docentes frequentemente ainda se ancoram na pretensa divisão entre trabalho intelectual e manual para defender seus pequenos poderes, Elaine descreve os seguidos esforços para construir um movimento conjunto de oposição a esse estado de coisas. Usa sua intensa vivência como sindicalista nessa tarefa. Não obstante, acaba por concluir que o “processo iniciado pelo grupo mais avançado na UFSC, desde os anos 70 […] voltou ao ponto de partida” .

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Os professores Espíndola e Auras, o primeiro economista e a segunda professora aposentada da área de Educação, fazem uma abrangente retrospectiva que, entre outros, liga o papel da UFSC, nos seus primórdios, ao acordo MEC-USAID, da década de 60 ; descrevem ações da ditadura militar e apresentam dados que indicam subserviência de dirigentes da universidade a seus desígnios . Em contrapartida, descrevem a ascensão do Movimento Docente e sua importância na discussão de questões educacionais e outras de interesse social. Entretanto, sinto falta de serem resgatados alguns envolvimentos importantes da própria APUFSC, por intermédio de vários de seus representantes, como, por exemplo, na construção de vários dos Coneds (Congressos Nacionais de Educação), que resultaram na elaboração do PNE da Sociedade Brasileira, em 1997, sendo citado apenas o PEE, de 1983. Mais sérias, nesse texto, por chamar a atenção de quem acompanha o sindicalismo mais de perto, são algumas afirmações equivocadas, como por exemplo, a de que A Conlutas vence a eleição para a diretoria do ANDES-SN ; desse modo, além de confundir uma organização, que se construiu como semente de uma Central Sindical e Popular, com o nosso sindicato, a ela filiado, mas não submisso, a frase parece querer indicar que esse deixou de se constituir, como historicamente o é, em entidade autônoma frente a governos, direção de instituições e partidos políticos.

&nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp &nbsp Não obstante os deslizes acima indicados, a obra, como um todo, vale a pena de uma leitura atenta e criteriosa, pois é inegável que a universidade brasileira se encontra em um contexto em que, se não houver um contra-ponto, em curto prazo podem ser completamente revertidas conquistas devidas aos muitos homens de visão que a habitaram durante sua curtíssima existência. Eu, pessoalmente, apenas para citar alguns, ainda tive a grande chance de ser contemporânea de Florestan Fernandes, Antônio Cândido – sempre disposto a falar em eventos sindicais, Milton Santos e Mario Schenberg, este citado por Ouriques em seu texto, em feliz escolha, à página 105.

NOTAS
*professora (aposentada) do Instituto de Física da USP, ex-diretora da Adusp e ex-vice presidente regional do ANDES-SN

 

Informação adicional

Peso 400 g
Dimensões 15 × 21 cm

Avaliações

Não há avaliações ainda.

Seja o primeiro a avaliar “Crítica à razão acadêmica Volume 1 – 3ª edição”

Você também pode gostar de…