Descrição
Organizadoras: Cynthia Valente , Maria de Fátima de Souza Moretti e Raquel Cardoso de Faria e Custódio
ISBN: 978-85-7474-926-6
Páginas: 344 il.
Peso: 400g
Ano: 2016
Prefácio
“No panorama atual do mundo, a questão capital é saber-se como ser um eu mesmo sem sufocar o outro, e como abrir-se ao outro sem asfixiar o eu mesmo.”
(E. Glissant, Introduction à une Poétique du Divers, 1996)
Historicamente, os ensaios latino-americanos foram adquirindo consistência como um dos canais de reflexão do Estado moderno ainda colonial. E ao longo do tempo, esse gênero literário vai penetrando nas narrativas breves ou longas. Jorge Luis Borges foi um mestre em formatar “contos ensaísticos”, marcando a ficção ocidental com essa contaminação. Outros escritores da chamada nova narrativa latino-americana, dentre eles, Augusto Roa Bastos, embutem em suas obras esse procedimento. Entre outros procedimentos marcantes, no romance Yo El supremo (1974), por exemplo, há uma passagem que pode servir a este prefácio como uma das marcas, se não de uma profecia, pelo menos como um dos traços premonitórios da literatura para tempos como estes, março de 2016, no Brasil:
El Paraguay es el centro de la América Meridional, núcleo geográfico, histórico, social, de la futura integración de los Estados independientes en esta parte de América. La suerte del Paraguay es la suerte del destino político americano (ROA BASTOS,1997, p. 107).
Recordando os atos do último lustro e a queda do presidente Fernando Lugo em junho de 2012, no Paraguai, após uma série encadeada de tensões internas, é possível observar como há semelhança entre alguns procedimentos que se repetem em um ou outro país a partir de diferentes parcerias no campo da elite. O fragmento literário acima, publicado em 1997 vibra hoje com seu tom profético para diferentes países do Cone Sul. Assim, do Paraguai ao Brasil, um momento de fragilidade nas instâncias de decisão às falcatruas do Congresso Nacional, voltado quase que unicamente para a retirada da primeira presidenta do Brasil, o que se perde é consciência do pacto social, da cidadania, exatamente em meio à liberdade conquistada para investigar os crimes de corrupção endêmica e histórica na política nacional. No que se refere à ordem democrática, os destemperos de um judiciário politizado, mancomunado com a mídia televisiva, cria diariamente fatos para que determinados acusados sejam criminalizados antes da sentença, ferindo os direitos humanos, desconsiderando o voto popular no desgaste de um determinado setor da política brasileira com vistas a sua eliminação.
Desejo com essa entrada propor apenas uma primeira abordagem em que pela literatura encontra-se a política em um regime de suspeição que a poética roabastiana cria para entender o que, de certo modo, moveu os organizadores do VIII Congresso Roa Bastos a experimentar a combinação de uma proposta ousada de exercício interdisciplinar para tratar de duas perspectivas amplas como a Poética e a Política aplicadas a espaços comumente não reconhecidos no campo da cultura latino-americana, em geral, vista a partir de uma unidade utópica ou para trilhar o caminho das comarcas culturais de Angel Rama que hoje poderiam ser ampliadas a partir de novos olhares sobre os imaginários transnacionais.
Neste particular, o evento deu conta de tamanha ousadia? Essa resposta cabe ao leitor após a leitura de mais de dois terços dos artigos de pesquisadores que aqui vieram expor suas investigações no terreno da proposta inicialmente elaborada, mesmo que seja por meio de um olhar inesperado e profundo sobre determinada cultura ou por um tema que resvale novas perspectivas e que, de alguma forma, tenha sua justificativa no âmbito desse evento.
Antes de adentrar à reflexão sobre os capítulos do livro, cabe lamentar duas ausências que muito contribuiriam, seja a do professor emérito da Universidade de Los Andes, Mérida, Alberto Rodriguez como a do pesquisador Rocco Carbone da Universidad Nacional Domingo F. Sarmiento. Estes palestrantes reforçariam justamente os dois polos de temas propostos pelas poéticas e políticas do Caribe Andino ao Grande Chaco. De Alberto Rodriguez, por ser de quem ouvi a expressão Caribe Andino e poderia nos ensinar sobre este arranjo entre um olhar vindo da paisagem das alturas venezuelanas, desde as montanhas, como também da Colômbia para a vista de uma cultura diversa como a do Mar Caribe, parte essa que se assume como pertencente à cultura caribenha e poderia então nutrir, operar e fortalecer este congresso
em suas bases, com uma percepção inaugural. Por outro lado, é a ausência de Rocco Carbone (professor da Universidad Nacional Domingo F. Sarmiento, Argentina) que propôs a ampliação da região do Chaco para o Grande Chaco incluindo aí temas e problemas que afetam não apenas o Paraguai e Bolívia como também a Argentina. Ambos justificaram plenamente as dificuldades pessoais ou profissionais que os fizeram desistir da viagem anteriormente aceita, mas é preciso lembrar dessas ausências.
Assim, se o livro adota a sequência das apresentações no congresso segundo o que constava no programa, vale orientar que, ainda que de passagem, os comentários aqui, não seguirão o mesmo desenho da obra, pretendendo seguir o núcleo de provocação, tanto sobre poéticas como de políticas que o título do evento propôs e a partir de diferentes perspectivas referidas pelos pesquisadores que nos enviaram seus artigos, a quem, de antemão, agradecemos.
Começando pelo desafio de um prefácio interdisciplinar, a proposta de reunir poéticas e políticas pode se iniciar pelo comentário de uma voz que, ao tratar da produção intelectual latino-americana constata sua ingenuidade em diferentes disciplinas (história, sociologia, literatura etc.). Explicando a guinada à direita por parte da intelectualidade brasileira, e, mais especificamente, da Universidade de São Paulo, berço de formação da maioria dos docentes das demais universidades brasileiras, assinala como este pensamento teria afetado, significativamente, os rumos das pesquisas no Brasil ao final do século XX, mas em particular a de um dos mais destacados sociólogos brasileiros, Octavio Ianni. Menciono a contribuição de Nildo Ouriques que aborda como, por questões históricas, muitos dos pesquisadores latino-americanos em diferentes áreas das ciências humanas resistem ao uso de categorias como a de colonialismo. Além disso, o docente e pesquisador fundador do IELA/UFSC destaca o papel da Bolívia e do Equador na linha de uma crítica consistente ao modelo intelectual veiculado nos demais países latino-americanos. Apresentando suas ideias com veemência, tanto como orador que é, como pelo capítulo do livro, Nildo aborda a dimensão política que, entre outros aportes, destaca o conceito de blanquitud, formulado pelo filósofo Bolívar Echeverría como uma das chaves para explicar a ingenuidade intelectual que afeta a academia e identifica uma necessidade de resistência à onda conservadora que, só em aparência, está nos atinge de chofre.
(…)
Sumário
Alai Garcia Diniz
Prefácio
Preface
Lilibeth Zambrano
Poéticas y voces desplazadas en diálogo intercultural
Poetics and displaced voices in an intercultural dialogue
Alai Garcia Diniz
Poéticas de guerra: apuntes sobre algunos umbrales sudamericanos
The poetics of war: notes about some South American thresholds
Emilio Ricardo Báez Rivera
Ave, Eva: la implosión del modelo patriarca mariano
en la protopoética de Papeles de Pandora, de Rosario Ferré
Ave, Eva: The Implosion of the Marian Patriarchal Model in Rosario
Ferre’s protopoetic stated in Papeles de Pandora
Damián Cabrera
A consistência da poeira
Consistency of the dust
Cynthia Valente
El ser para la muerte de Alejandra Pizarnik
A being to death in Alejandra Pizarnik
José Quidel Lincoleo
Manifestaciones de los abismos epistémicos en la traducción
español-mapuzugun-español
Manifestations of the epistemic abysses in the Spanish-Mapuzugun-Spanish
Translation
José Gregorio Vásquez C.
Las palabras de una tribu: decir y hacer poético
en la Venezuela del siglo XX
The words of a tribe: what was said and written in 20th century Venezuelan
Poetry
Nildo Domingos Ouriques
América Latina: o pêndulo político gira à direita
Latin American: the political pendulum turns right
Susy Delgado
La poesía desconocida del Paraguay
The unknown poetry of Paraguay
Diana Araujo Pereira
Geopolítica y geopoética en la Triple Frontera
(Brasil, Argentina y Paraguay)
Geopolitics and geopoetics in the Triple Frontera (Brazil, Argentina and
Paraguay)
Lênia Pisani Gleize
Récits de la Nuit et de l ́Aube (Alençon, 1984):
Os primeiros anos do exílio francês
Récits de La nuit et de l ́aube (Alençon, 1984): the first years of the French exile
Claudio Celso Alano da Cruz
Passagens: Benjamin, Paris, Borges, Buenos Aires
The Arcades Project: Benjamin, Paris, Borges, Buenos Aires
André Fiorussi
Desterros do Guesa, de Sousândrade: perspectivas críticas
Exiles of Sousândrade’s Guesa: critical perspectives
Eleonora Frenkel
Rafael Barrett sobre los yerbateros: ¿Hablar por el otro en mi lengua?
Rafael Barrett about the mate tea plantations: Speak for the other in my
language?
Raquel Cardoso de Faria e Custódio
O nambréna nosso de cada dia
Our dayly nambréna
José Carlos Mariano do Carmo
Walter Benjamin e “o anjo da História”
Walter Benjamin and “the Angel of History”
Maria de Fátima de Souza Moretti
Poéticas de animação latino-americanas
Poetics of animation Latin American
José Ricardo Goulart
Luiz Gustavo Bieberbach Engroff
Do rastro à cena: memórias traumáticas de México e Guatemala
From trace to scene: traumatic memories of Mexico and Guatemala
Henrique Finco
Documentário Guataha: Kururu é a chave?
Guataha movie: Kururu is the key?
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