Descrição
Autora: Luara Wandelli Loth
ISBN: 978-85-524-0067-7
Páginas: 224 il.
Peso: 357g
Ano: 2018
Agora nós perdemos as estribeiras, lançamos nossas picaretas de ferro na superfície de pedras e rochas inquebráveis. O que estamos fazendo de nossas vidas? Por que estamos juntos aqui neste domingo? Deus não nos deu o domingo para descansar? Ele ainda existe? Por que não nos devolve nossos filhos e por que nos pune com esse sol e esse estado que mais parece o inferno? Mas nós não nos vamos daqui. Aqui surgimos e seremos enterrados na mesma terra, onde descansam torturados e decompostos os cadáveres de nossos filhos. Depois de mortos, estaremos rondando essas terras por séculos. Nossas almas serão o tormento desse governo. Não nos esquecerão, nem que queiram. Vamos ficar gritando entre os espinhos, entre as montanhas e o eco da nossa dor não os deixará dormir o sono dos justos, pois não haverá justiça sem que todos estejam aqui presentes mortos ou vivos.
Eu acredito que há gente viva debaixo da terra. Me chamem louco. Eu amo cada osso solitário das vítimas. Para mim, elas estão mais do que vivas, talvez tão vivas quanto nós que temos que vagar pelos campos sombrios. Juntos, mas sozinhos, pois ninguém acredita que há vida debaixo da terra. Eu juro: busquem vida sob o solo de Guerrero, parem de olhar para o céu. Eu vi as fossas, eu rezei pelos ossos, eu vi crânios, eram de gente que foi viva. Eu senti o cheiro de água podre que exalava do corpo de seu filho, era o mesmo odor do meu. Eu também um dia não acreditei na verdade.
Este relato de Luara Wandelli Loth persegue o entendimento dos eventos insuportavelmente reais e terríveis que se materializaram ao seu redor no sudoeste do México, entre 2015 e 2016.
Ela estudava jornalismo em Florianópolis e foi ao México como intercambista. Confrontou-se com a saga das famílias que reviram de maneira sistemática a terra atrás de ossos de dezenas de milhares de “desaparecidos”. Viu-se entre gente que cutuca o solo atrás do cheiro da carne podre das fossas clandestinas. Aquilo mexeu muito com Luara, uma “jovem levada a caminhar pelas utopias”, como ela diz de si mesma.
Então voltou ao estado mexicano de Guerrero depois do intercâmbio, quase sem dinheiro e quase escondida, hospedando-se na casa de desconhecidos, perfeitamente insegura em todos os sentidos, para tentar entender. Por três meses misturou-se à gente, às famílias de desaparecidos, às versões e às mentiras. Fez perguntas, fez fotografias, estudou, realizou esta extraordinária reportagem.
Seu relato parte do desaparecimento, em 2014, de 43 estudantes de uma escola rural; eles iam a uma manifestação política quando foram abordados pela polícia. Daí se amplia para tentar entender não apenas as implicações imediatas do massacre, mas a profusão de covas clandestinas, a violência oficial e a do narcotráfico, a pobreza extrema e a resistência das famílias.
Desaparecidos – a palavra carrega um vazio gigantesco, e é a experiência desse vazio que Luara procura preencher com algum sentido que lhe seja verdadeiro. Ela nos conta uma história, único jeito de colocar alguma ordem num mundo que é desordem, com imagens e palavras que se movem caudalosas, nos arrastam às vezes bruscas e sempre espessas, como as águas de uma enchente.
Daisi Vogel
Luara Wandelli Loth nasceu em Florianópolis em 1993. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2017. Atuou como fotógrafa e jornalista na mídia independente de Santa Catarina, em ONGs, sindicatos e no Legislativo. Atualmente é repórter autônoma. Morou duas vezes no México, onde produziu este livro de reportagem. Seu trabalho jornalístico e acadêmico concentra-se nas temáticas: direitos sociais, violência de Estado, discriminação, migração, literatura e cinema, sobretudo, desde a perspectiva latino-americanista.
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